ISSN: 1983-6007 N° da Revista: 22
Janeiro a Abril de 2014
 
   
 
   
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A Antifilosofia do pensamento Chinês em Lacan
The Anti-Philosophy Chinese thought in Lacan

 
     
 

Cleyton Andrade
Psicanalista e Professor Adjunto da Universidade Federal de Alagoas
Mestrado e Doutorado em Estudos Psicanalíticos pela UFMG
E-mail: cleyton.andrade@ip.ufal.br

Resumo: O texto discute o pensamento chinês dentro da obra de Lacan, propondo pensa-lo como uma antifilosofia lacaniana. Contudo, se apresenta como uma antifilosofia que não se sustenta pela lógica matemática e sim poemática. A poesia, sobretudo a escrita poética chinesa pode ser pensada no final do ensino de Lacan como um caminho possível frente à aporia ou falência do matema.
Palavras-chave: Antifilosofia, psicanálise, poesia chinesa, matema.

Abstract: The paper discusses the Chinese thought within the Lacan's work, proposing think it as an anti-philosophy Lacanian. However, it presents itself as an anti-philosophy that does not hold the mathematical logic but poematic. Poetry, especially the Chinese poetic writing can be thought of at the end of Lacan's teaching as a possible way forward to aporia or failure of matheme.
Keywords: Anti-philosophy, psychoanalysis, Chinese poetic writing, matheme

 
 


A ANTIFILOSOFIA DO PENSAMENTO CHINÊS EM LACAN
Há uma antifilosofia no pensamento chinês em Lacan. Os temas chineses não são um exotismo nem uma excentricidade lacaniana. Porém, há ao menos duas inconsistências e uma imprecisão fundamentais nessa afirmação do título do trabalho. A primeira inconsistência se assenta sobre um dos eixos da pesquisa: não há pensamento que não seja o pensamento Aristotélico – pensamento com critérios imaginários e qualitativos como coerência, terceiro excluído, discursividade e negação (MILNER, 1996) –, nesse sentido não haveria pensamento chinês. Como diz François Jullien (2004), a China é o lugar do impensado da filosofia europeia, sobretudo grega. Daí o primeiro eixo: o aqui chamado pensamento chinês é o lugar do impensado da filosofia. Dizendo de outra maneira, o pensamento chinês é um dos nomes da antifilosofia em Lacan.
Já entramos na segunda inconsistência fundamental: se o pensamento chinês for um dos nomes da antifilosofia em Lacan terá que ser verdade que o dispositivo que opera em um, opera também em outro. A lógica matemática, a matematicidade, enfim, o matema é o dispositivo por excelência do programa antifilosófico em Lacan. Como diz Jean-Claude Milner, o matema legitima a antifilosofia. Porém, o pensamento chinês não opera a partir da lógica matemática, e não pode ser identificado a um pensamento do matema, se tomarmos como princípio que o matema pensa. O pensamento chinês opera muito mais pela via poética.
Chegamos à imprecisão: quando digo pensamento chinês me refiro a um conjunto de temas que envolve o conjunto das referências chinesas perfiladas ao longo da obra de Lacan. Como por exemplo: cosmologia, tradições, danças, e, sobretudo língua, escrita, caligrafia, poesia, e não só pensadores como Confúcio, Lao Zi, Zhuang Zi, Mêncio, taoísmo e budismo. Referir-me ao pensamento chinês significa abordar esse amplo conjunto de temas que, apesar de variado, possui uma coerência interna dentro da obra de Lacan.
Em resumo, o pensamento chinês não existe se considerarmos que só há pensamento aristotélico, sendo ele o nome de um conjunto de práticas significantes que funcionam como um dos nomes do impensado da filosofia. Contudo, essa antifilosofia não se sustenta sobre a disciplina do matema e sim da poesia e do poema. O pano de fundo da pesquisa é em suma: afinal, isso é possível de ser pensado? Essa questão reúne elementos que a viabilizam como objeto para o pensamento em Lacan?
Essa pergunta inicialmente era a respeito das relações entre a interpretação analítica e a escrita poética chinesa, a partir de uma passagem do seminário L’insu, de 1976-77. Logo pude me dar conta que não seria possível prosseguir nesta investigação sem compreender algo do pensamento chinês, de alguns de seus autores clássicos, e não só da poesia, como principalmente da escrita e da língua chinesa. Dentre outras coisas isso conduziu ao aprendizado do mandarim.
Essa imersão direcionou a outro tipo de questão, ou a um outro grupo de questões. A interpretação analítica passou a ocupar um lugar secundário, mas a escrita e principalmente a poesia se mantiveram com um novo lugar. A extensão dos temas chineses passou a se apresentar como fazendo parte de um programa no interior das elaborações lacanianas. A partir dessas novas perspectivas posso citar como exemplo que a questão passou a focar as relações entre a escrita matemática e a escrita poética chinesa. E mais ainda, da passagem da escrita matemática para a escrita poética chinesa a partir de um deslocamento da letra, do campo da matemática para o campo da literatura e mais especificamente da poesia. A pergunta é se a escrita poética chinesa pode ser um dos nomes não só da antifilosofia como também de uma antimatemática lacaniana após 1976.
Isso só faria o mínimo de sentido se houver qualquer viabilidade nos questionamentos acerca das relações entre poema e matema. Avançando um pouco mais: só teria sentido se for possível indagar se o poema, se a poesia poderia surgir no final do ensino de Lacan frente a uma aporia ou falência do matema, como aponta Milner.
Impasse: 1)Ou há matema e não há poesia; 2) ou há algo do matema na poesia; 3) ou a poesia pode estar além do matema.
Para ultrapassar o escopo do sistema de formação, não basta , portanto, o matema – a formalização da psicanálise em linguagem conceitográfica – o matema. É preciso também o poema (...) em sua lalíngua, em sua autoreferenciabilidade introduziria o suspense nas engrenagens da transmissão, indicando que seus efeitos são refratados fora do solo previsto para a sua recepção. Contudo, matema e poema não fazem Um (...) ambos são devorados pela história que os torna necessários ou possíveis a cada momento.( DUNKER, 2015, p.164).
Para Jean-Claude Milner os nós borromeanos não dizem nada da letra, se dizem algo dela é justamente por se excetuarem dela. Essa ausência da letra no nó abalaria a literalidade da matemática. Para ele o nó é o destruidor da letra no segundo classicismo. Entretanto, segundo o mesmo autor, Lacan não abre mão dela, mas deverá busca-la em outro lugar. Esse novo lugar abre o caminho que conduz à Joyce, aos poemas e às Letras.
O matema teve seu clímax no seminário 20 quando Jakobson aparece apenas para confirmá-lo. Não é mais a linguística que está em jogo, mas a operação do linguista capaz de assegurar a transitividade entre as letras matemáticas e poemáticas. No seminário 20, há, portanto, uma simetria entre ambas que tenderá a se desfazer em seguida. A questão apresentada por Milner é uma questão que me acompanha há algum tempo: o poema poderá oferecer um suporte mais robusto à literalidade?
Para Milner os poemas são como matemas dados pela própria lalíngua, enquanto os matemas são construídos por um discurso. Para Badiou (2002), nós, os modernos, tratamos de um modo diferente as relações entre matema e poema. Não seria possível asserções absolutas como as de Platão em que a diferença entre matema e poema é que há pensamento no primeiro, e não há no segundo. Não se trataria mais da distinção entre a língua da transparência do matema versus a obscuridade metafórica do poema. Badiou (2002) aponta que o homem moderno suporta de uma maneira diferente o intervalo linguístico entre poema e matema, por saber o que o poema deve ao número e sua vocação inteligível. E essa alternativa Badiou extrai do próprio Platão. “Lá onde o que está em jogo é a abertura do pensamento ao princípio do pensável, na percepção do que o institui como pensamento, Platão submete a língua ao poder do dizer poético” (BADIOU, 2002, p.33). Sendo assim, o poema é um dever do pensamento, ele opera e organiza a apresentação sensível de um regime do pensamento.
Não é o poema que é cópia da Ideia, ele exibe a Ideia através do recurso da visibilidade do artificio que encontra na língua, ultrapassando aquilo de que o sensível é capaz. Diante da operação viabilizada pelo poema, é o objeto e a objetividade que passam a ser meras cópias.
Se voltarmos a Lacan temos que: 1)o projeto antilinguistica já presente na doutrina do significante é explicitado e formalizado na doutrina da homofonia. Isso é particularmente claro no seminário De um discurso que não seria do semblante, principalmente quando Lacan se vale da riqueza de homofonias presente na língua chinesa. O que faz com que um iniciante a balbucie como um idiota. Vale lembrar que é a primeira vez que Lacan se diz lacaniano, justamente por ter aprendido essa língua repleta de homofonias. 2) É com o apoio da escrita chinesa, ainda no mesmo seminário, que Lacan oferece uma resposta para a diferença entre fala e escrita, e entre significante e letra. 3) Lacan se vale de sua leitura sobre o Vazio Mediano no taoísmo, em Lao tse, para construir a teoria dos nós borromeanos.
Se os nós a um só tempo expõem um desvio da letra, um fracasso da literalidade matemática e do matema, eles operam como um dispositivo clínico importante a partir da mostração silenciosa dos nós. Temos de um lado a doutrina da homofonia e de outro a visualidade, a mostração silenciosa dos nós. É nesse ponto que me interrogo a respeito da escrita poética chinesa.
Lacan se refere não a qualquer poesia chinesa, não a clássica do Shi Jing organizado por Confúcio, que durante séculos foi, ao contrário dos gregos, dispositivo para apreensão do real politico mostrando haver alí outra teoria do pensamento e outra teoria do discurso. Ele se refere não somente, mas principalmente, à poesia da dinastia Tang e inicio da Song, que compreende o período que vai do século VII a IX e X a XVI. Essa poesia é uma poesia que só pode ser, se for escrita.
Os poetas chineses não abriram mão da escrita dos caracteres. Se valeram e se apoiaram neles para romper semblantes, rompendo também o maior deles, a própria forma rígida dos caracteres. Os poetas fizeram ao seu modo, o mesmo que os calígrafos. Escrita poética chinesa e caligrafia por vias diferentes tocam no mesmo ponto.
Sempre houve uma relação dialética e contraditória não só entre o som, o sentido e a grafia, mas também entre estes e o movimentos do corpo para ajustar a exigências das formas rígidas e invariáveis. Não só o tempo, também a contração dessa tensão levou o canto da poesia popular do Shi Jing ao canto escrito dos Tang. Toda a poesia dos Tang é um canto escrito e uma escrita cantada (CHENG, 1996).
Portanto não se trata de qualquer poesia. A referência principal é também aquela que pôde ser chamada de poesia de vanguarda, assim como literatura de vanguarda. Desde Lituraterra Lacan já havia apontado a literatura de vanguarda como uma das formas de intervir com a letra. Diversas características desta modalidade de literatura e de poesia estavam presentes na poesia chinesa com uma diferença de quase dez séculos. Conforme o tipo de debate a esse respeito, essa diferença é pouco ou muito relevante. Tendo a experiência clínica como ponto de partida e de chegada, pouco importa que os chineses da dinastia Tang tenham antecipado a literatura de vanguarda. Em função de uma discussão como a que venho propondo, considero que uma das principais qualidades da Poesia Concreta brasileira – fora seu valor como poesia propriamente dita e daquilo que o movimento concretista representou e ainda representa não só em termos de poesia, mas também como proposta de tradução – foi a de tornar notória a relação entre a literatura de vanguarda e a escrita chinesa. Coube principalmente a Fenollosa, e depois a Pound, mostrar os caracteres da escrita chinesa como instrumento para a poesia. Assim como Lacan construiu sua teoria da escrita e da letra a partir da escrita chinesa, Fenollosa construiu uma teoria sobre a poesia também a partir dos caracteres. Porém, a explicitação de que este reunia as principais referências para os vanguardistas, sabendo disso ou não, coube à poesia concreta. Foi através dela que foi possível reunir, por exemplo, Pound que tinha uma resistência contra Mallarmé, num mesmo princípio frente à poesia. Foi a partir dela que ficou mais claro reunir Fenollosa, Pound, Mallarmé, Cummings, surrealistas, imagistas, futuristas, etc., e principalmente James Joyce.
Os enlaces e desenlaces do corpo dos caracteres formavam combinações que não existiam. Se não fosse o contexto e a linguagem poética eles não seriam nada. Sem sentido, sem forma fônica, nada lhes restaria a não ser um amontoado de rabiscos de que não sabe ler nem escrever. Mas a poesia sabe fazer com isso, sabe como forçar a língua sem abandoná-la de todo. É isso que difere a poesia, ela força a língua permitindo que todos ainda reconheçam ali, algo que se refere à língua. Como fez Joyce, por exemplo. A escrita poética chinesa e a escrita de Joyce forçam a língua, enlaçam e desenlaçam numa combinatória que mantêm o leitor atento para que ali haja algo a ser lido. Conseguem fazer nós com a materialidade da escrita, sem transforma-la em nós. Ninguém terá duvida ao ter diante de si um texto de Joyce de um lado e do outro uma página do seminário sobre Joyce que apresente apenas uma ilustração dos nós.
Tanto Joyce quanto os poetas Tang souberam fazer nós com as palavras sem que elas deixassem de ser minimante palavras. Muitas vezes sem sentido, mas reconhecíveis. O que a escrita poética chinesa faz com a materialidade dos caracteres desarticula som e sentido, produzindo algo sem sentido. Mas o apelo ao som que lhe é imputado ou mantido mesmo que por um fio, é o que exige que seja atribuído a ele alguma coisa da ordem de um significante. Um significante novo. Um significante sem sentido, posto que o semblante reconhecido na norma culta não é mais encontrado, se desfez na manipulação do poeta. O mesmo poeta que o segura antes do precipício com um som. Joyce nos exige um som a ser extraído de uma palavra de cem letras, é isso que nos faz acreditar que ali há um significante apesar de ser sem sentido. Um significante que funcione como letra.
A escrita poética chinesa não tem à sua disposição um alfabeto, terá que sustentar o som que caiba numa sílaba. A palavra de cem letras do poeta chinês terá que ressoar como a de Joyce num intervalo de uma sílaba. O quase impronunciável invade tanto o número de letras quando no número e forma dos traços.
É quase impossível entender a sugestão de Lacan a respeito da escrita poética chinesa pensando apenas a poesia, qualquer uma. Assim como será preciso saber que primeiro precisou passar por Joyce. A escrita poética chinesa na psicanálise lacaniana, precisa da escrita de Joyce para ser compreendida. Se é possível pensar em filiação teórica sem incorrer em ingenuidade, diria que ela só faz realmente sentido do ponto de vista da experiência clínica de orientação lacaniana, a partir das noções de escrita, letra, separação entre escrita e fala, entre escrita e leitura, e, da teoria de sinthoma e escrita em Joyce. Inversão curiosa, pois no campo literário, vários já disseram que a escrita de Joyce seguia o método ideogrâmico. Dentre eles Ezra Pound, editor de Joyce, e Haroldo de Campos. Para eles, Joyce fazia ideogramas.parece-me que a escrita poética chinesa, ao desenlaçar e fazer novos enlaçamentos com o caractere o desprovê de sentido, mas sustenta tratar-se de um significante novo por um som. Eles permanecem únicos enquanto efeito poético. Ela produz uma espécie de neologismo escrito.
Algumas considerações precisam ser feitas: 1) a escrita chinesa permite a Lacan elaborar a teoria da escrita e da letra, separadas e diferentes da fala e do significante; 2) esse hiato entre escrita e fala exige a concepção de um litoral; 3) a escrita chinesa é diferente da língua chinesa falada, mas não é absolutamente independente, por ser uma escrita inscrita em uma língua viva; 4) considerando que os chineses poderiam ter qualquer forma de escrita: 4.1) a escrita do caractere funciona como litoral marcado entre escrita e fala, e 4.2) numa eventual substituição da escrita do caractere, logográfica, por uma alfabética e fonética, como se tentou fazer no início do século XX, haveria um impossibilidade que foi apontada por Zao Yuanren, ou seja, 4.3) o caractere chinês é que mantém alguma conexão entre a escrita e a fala, portanto funciona como um semblante, articulando o que está desarticulado; 5) a escrita poética chinesa intervém justamente sobre esse semblante; 6) ela intervém de uma maneira dupla, 6.1) com o efeito de sentido, e 6.2) com o efeito de furo.
O que Cheng toma como ponto de partida distinto de Granet, p.ex., que escapou a Haroldo de Campos, é que desde o inicio o gesto, o movimento, a implicação do corpo, estão incluídos. Ao introduzir o ritmo gestual, e o que este procura capturar no que é escrito, a exemplo do ato da caligrafia, Cheng assinala a importância de algo que permanecia de fora em Fenollosa, Pound, nos irmãos Campos, nos poetas imagistas, concretistas, etc.. É a partir daí que ela pode interessar verdadeiramente tanto à psicanálise quanto à poesia.
Aquilo que o calígrafo procura atingir com o gestual rítmico, com o movimento que visa romper o semblante, o poeta recria não só no ritmo oral do poema, mas, sobretudo, no gestual da materialidade dos caracteres, no movimento combinatório semelhante a uma dança. A aposta ganha pela caligrafia com tinta e pincel através do gesto do corpo, a escrita poética chinesa ganha também com tinta e pincel. Mas o movimento passa a ser também a do corpo dos caracteres, que giram, contorcem, se invertem, tremem, se apagam, ficam menores ou maiores, viram de lado e até vão embora.
A combinação faz parte da estrutura e da formação dos caracteres chineses, porém é uma combinação, ou combinatória, com normas rígidas e invariáveis. Através da combinatória o poeta se apropria daquilo que a língua escrita permite, para subvertê-la com movimentos que ela não permite. Com gestos combinatórios impensáveis na norma culta Portanto são gestos e movimentos dos corpos de signos-presença. Assim como na caligrafia, parte dos semblantes, com a nítida intenção de uma rasura sem precisar apagar.
A escrita poética chinesa destaca também o que há de intraduzível, aponta para o impossível da tradução, a singularidade que não cabe nas palavras e, no entanto, mostrada pelo traço. Manipulando os traços ela coloca em evidência o império dos semblantes, e, sobretudo, o império da letra.
Uma poesia feita assim é impossível de ser apenas oral. Pode-se até tentar, mas na ausência da habilidade de um tradutor que procure capturar o que a palavra não diz, corre-se o risco de pagar o preço de perder a própria poesia. É uma poesia que tem seu valor aos ouvidos, mas que ganha seu devido lugar ao ser uma poesia que exige leitura. Mais do que o olhar ela reclama pela leitura. Como na caligrafia. Enquanto muitos pensam que a caligrafia tem seu fim no olhar daquele que contempla, ela na verdade exige desde antes de sua execução um desvio do olhar. Sem o desvio do olhar o gesto não é alcançado e a caligrafia fracassa. Aquele que conhece caligrafia, ao ver uma, compraz-se de um gozo estético sem dúvida, mas espera ser tocado por algo que ultrapassa a imagem dada a ver. A escrita poética chinesa também. É uma questão de leitura, não de contemplação. Nem por isso podemos nos furtar às análises gráficas dos caracteres da poesia chinesa, sem esquecer que é mais do que um mero jogo de imagens.
Numa poesia que não tem como ser a não ser a partir da escrita, se apoiando estruturalmente na materialidade da letra e no som que força a língua para além de sua norma culta, reúne nela mesma aquilo que para Milner é o único problema que se mantem após o fim do 2º classicismo: que relações mantêm o que está mostrado e o que está escrito?
Se houver antinomia entre dizer e mostrar, entre mostração e homofonia, a escrita poética chinesa se mostraria como um modo de conectar ambas. Se não há antinomia, a escrita poética chinesa demostraria como não há.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ANDRADE, C. (2015). Lacan chinês – poesia, ideograma e caligrafia chinesa de uma psicanálise. Maceió: EDUFAL.
BADIOU, A. (2002). Pequeno manual de inestética. São Paulo: Estação Liberdade.
CHENG, F. (1996). L’Écriture poétique chinoise: suivi d’une anthologie des poèmes des Tang. França: Seuil.
JULLIEN, F. (2004). L’indifférence à la psychanalyse –Sagesse du letter chinois, désir du psychanalyste. Paris: PUF.

LACAN, J. (1977-1998). Rumo a um significante novo. In: Opção Lacaniana, Revista Brasileira Internacional de Psicanálise, 22, p.6-15.
MILNER, J.-C. (1996). A obra clara: Lacan, a ciência, a filosofia. (P. Abreu, Trad.). Porto Alegre: Artes Médicas.

Recebido em: 27 de Outubro de 2015
Aceito em: 28 de Outubro de 2015



 
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