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                          IMAGEM DO CINEMA 
                          
                          Impacto. Perplexidade. Surpresa. Pensamentos a mil por hora.  Eis algumas das impressões pelas quais a experiência de ver o filme O Cisne Negro, do cineasta Darren  Aronosfky, permitiu a nós, os espectadores, viverem, à medida que, de alguma  maneira, nos sentimos olhados pelo filme.   
                          É certo que a produção cinematográfica desperta em quem a  assiste, no mínimo, a tentativa de reavaliar a vida, os pontos de impasse da  existência, ou mesmo, o impulso a reflexões que antes não puderam se  manifestar, ainda que elas estivessem guardadas ou silenciadas em algum lugar  do pensamento. Assim, o encontro com o filme traz uma certa função de causação  ― de algum modo, portanto, advêm as reações, cuja diversidade dependerá do  encontro de cada um com o que os olhos vêem, os ouvidos escutam, e,  principalmente, como nos sentimos olhados pela imagem que nos é passada.  Escolho o impacto como a impressão que fica do filme que reproduz, no ballet, a coreografia “O Lago dos  Cisnes”, em que Nina (interpretada por Nathalie Portman) sonha que faz o prólogo, especialmente a parte do feitiço, na qual  um cisne negro toma a forma do príncipe, roubando o amor do cisne branco, este  que, finalmente, cai num precipício para alcançar a liberdade.  
                          Há, portanto, um cisne branco e um cisne negro, divisão que  não alcança o ser de Nina. É no ato, na passagem ao ato, no suicídio, que a  ausência de uma divisão subjetiva se precipita no precipício. O sonho é a  realidade, ou melhor, há uma perda da realidade que nos permite dizer que o  sonho, a peça, a vida e a estrutura psíquica de Nina parecem ser uma única e  mesma coisa. O impacto se dá quando, em alguma medida, por mínima que seja, nos  sentimos implicados nisso, ou seja, sentimo-nos implicados numa loucura, sem  necessariamente podermos exatamente nomear o ponto onde uma certa  correspondência se faz.  
                          A relação estreita entre o cinema e a psicanálise não ousa  uma interpretação da obra, mas podemos dizer que o cinema, como manifestação  artística, ficcional, tem a capacidade de nos interpretar. A dimensão da fala  (oral) e, principalmente, da imagem (visual) ― diferentemente de uma produção  literária na qual encontramos o escrito de forma congelada ― trazem uma certa  função interpretativa.   
                          O impacto, portanto, se deu no encontro com a psicose,  justamente na exibição de uma dimensão real do sofrimento humano. É uma  expressão singular do sofrimento humano, na medida que ele se encontra marcado  por uma certa dimensão de horror considerada porque na presença do real.   
                          O CISNE NEGRO E A PSICOSE 
                          Trata-se de uma tarefa muito desafiante tomar como base esse  filme para abordarmos a questão das psicoses, mais especificamente da esquizofrenia que Nina apresenta por meio de seus  fenômenos de corpo. Ainda que alguns signos da feminilidade e do romantismo  pela via do balé ― o batom, a rival ― possam trazer ao público reflexões que  envolvem a vida sexuada de uma mulher, próprias do campo da neurose, da  histeria, parece que, pelo contrário, é exatamente aquilo que se coloca num  nível assexuado o que está em jogo, “frio”, como diz o diretor da peça no  filme, mais particularmente a expressão do gozo, confirmada por ele ao corrigir  os movimentos da dança de Nina: “Você não se deixa entregar ao papel! Você está  tesa como um cadáver!” Mesmo assim, Nina só queria “um papel” para ela, quase  que antevendo a luz negra no fim do túnel de sua vida.  
                          O CORPO E A LINGUAGEM 
                          A marca de uma causalidade psíquica traça um destino  singular, qual seja, o do ser para a morte, na vertente trágica de uma  castração, de um corte. É dos fenômenos de corpo  e sua relação com essa causalidade psíquica o que se eleva disso. Por ser uma  estrutura cujo trato com a linguagem não se baseia no sentido, a psicose traz,  no nível cru e nu, a estúpida e inefável existência do sujeito.  
                          
                            “Aí há sujeito e há  linguagem, o que implica em não tratarmos o campo das psicoses em termos de  déficit ou de dissociação, mas pensar o traço ou o significante que falta para  ordenar uma significação, ou um discurso, e suas consequências no corpo”  (MILLER, 1993. p. 21). 
                           
                          Nina nos mostrará elementos que nos permitem averiguar o  corpo esquizofrênico, seus fenômenos, ou seja, aquilo que poderíamos extrair  dessa personagem e que faz parte do estatuto do corpo e do organismo em relação  ao discurso. Os fenômenos de corpo em Nina são evidentes nas passagens que  refletem os machucados em seus dedos, nas costas arranhadas, na pele  arrancada... ― Aí é que o real aparece, mesmo na alucinação absorvida  pelos fenômenos de corpo, na automutilação, bem como na presença opaca de um  corpo que acompanha o ritmo dos seus movimentos, uma presença que parece ser a  sua sombra, negra, que não pede licença para se instalar, exprimindo, por sua  cor, o tom inicial de um suspense. Essa presença simplesmente se demonstra e a  acompanha. Trata-se de um gozo que não está coordenado com o campo simbólico.  Ele tem a característica de ser invasivo. E é incorporado no duplo, o gêmeo do  mal, no corredor, no ballet, no  reflexo do espelho, no quarto, na cama, no banheiro, e, finalmente, no  camarim.   
                          É curiosa a “infinitização”, que se apresenta no vidro do  espelho, como se ali fosse representada a problemática inerente ao registro da  imagem do corpo esquizofrênico, tido, então, como despedaçado. Ainda que esse  gozo invasivo também ocorra na paranoia,  ele se manifesta especialmente na esquizofrenia. Inclusive, podemos aqui trazer  uma diferença entre a esquizofrenia e a paranoia em se tratando do gozo: na  primeira, esse gozo está situado no corpo; e na segunda, ele está situado no  campo do Outro, sob a roupagem da perseguição.  
                          Com Lacan, aprendemos que o esquizofrênico está fora do  discurso. O psicótico não se situa fora da linguagem, mas fora do discurso.  “Trata-se de um corpo sem discurso, pois o que está comprometido, desde o  início, é a representação do sujeito pelo significante.” (MILLER, 1993. p.  23).   
                          Não há  separação entre o campo do significante e o campo do gozo, ocasionando, assim,  uma dispersão dos significantes que representam o sujeito, por não ter sido  feita uma extração ou se produzido uma perda no momento em que a linguagem  inscreve sua marca no ser falante. Um significante essencial é forcluído. “O  problema é como deve ser esta forclusão para chegar a repercutir sobre o  sentimento do organismo.” (MILLER, 1993. p. 24).   
                          A forclusão impede a representação do sujeito pelo  significante, repudiando e substituindo a marca da linguagem no ser falante. Há  um enxame que corresponde à sua própria desaparição.  
                          A neurose não repudia a realidade, apenas a ignora, enquanto  a psicose a repudia e tenta substitui-la. Assim, tanto na neurose quanto na  psicose, o que mais interessa é a questão não apenas relativa a uma perda da  realidade, mas também a um substituto para a realidade, como nos diz Freud em  seu texto Perda da realidade na neurose e  na psicose (1924, pp. 227-234).  
                          Retomo algo que Miller nos traz, a fim de esclarecermos um  pouco mais essa noção de corpo na relação com a linguagem, indicando, de  início, que “para que haja corpo humano,  corpo simbolizado, é preciso que a carne esteja como que separada do corpo.  [...] A castração, nesta perspectiva, opera a extração corporal, mas sob o modo  simbólico, e realiza uma regulação do gozo que exige uma subtração. [...] O  corpo pode aparecer essencialmente como um sistema. Seu estatuto, sua  unificação, parece depender da articulação significante e não ser um dado. Isso  é o que permitirá compreender como, enquanto suplência dessa articulação  simbólica, linguística, o esquizofrênico se consagra, se mecaniza.”  (MILLER,  1997. pp. 21 e 26).   
                          No momento em que o simbólico recorta o corpo, o gozo se  separa dele. No esquizofrênico, acontece que o gozo retorna ao corpo. Desse  modo, ele não dá conta de nomear as funções dos órgãos, estes permanecendo, por  conseguinte, fora do corpo. Ele não tem auxílio de nenhum discurso estabelecido,  proveniente da articulação significante que representaria o sujeito na captura  do organismo pelo simbólico, pela linguagem. Não foi à toa que Lacan nos disse  que o único órgão é a linguagem... “Por isso ao esquizofrênico é dada a tarefa  de se arranjar com seus órgãos fora de toda referência a um discurso  estabelecido”. (MILLER,  1997. p.  29).   
                          Um exemplo disso pode ser trazido a partir de um caso que  atendi, intitulado, em sua formalização, como “Central telefônica sem  telefone”, e que Jacques-Alain Miller (2003, pp.6-16)  comenta para desenvolver a questão da “invenção psicótica”.   
                          Mas,  vejamos, então, as consequências disso para Nina, advindas do fato de que não  houve uma extração operada sob o modo simbólico, porém efetuada sob o modo  real, pela via do sangue alucinado no seu corpo, extraído do seu corpo.  Percebe-se um delírio com a temática da influência e não da perseguição. O  corpo influenciado é marcado pela interferência do gozo do Outro, a mãe de  Nina.   
                          É interessante, nesse sentido, perceber os três aspectos que  aqui levantaremos do enredo desse filme, os quais são, de uma forma ou de  outra, entremeados por cenas de automutilação, sob a égide de uma certa  mecanização, em meio à atividade delirante e alucinatória que envolvia o corpo  de Nina. São eles:  
                          
                            -  a relação de Nina com sua  mãe; 
 
                            -  a relação de Nina com o  diretor da peça de ballet; 3)  a solução ou o destino de Nina. 
 
                           
                          A MÃE DO ESQUIZOFRÊNICO           
                          A mãe do esquizofrênico é tida como invasora, faz do sujeito  uma espécie de apêndice de sua própria existência, o que é demonstrado no filme  pelas posições de “perfeita” e “meiga” que Nina  deveria exercer no balé, este, por sua vez, idealizado pela mãe por ter abdicado da carreira de bailarina  para ter a filha... O tributo dessa renúncia  parece ter sido delegado à própria Nina, em seu lugar de realizadora da  fantasia materna, sem nenhuma mediação que pudesse inserir uma distância entre  o ser do sujeito (Nina) e o ideal materno.  
                          Trata-se  de uma espécie de loucura a dois, folie à  deux, em que a relação mãe e filha é  absolutamente mortífera, uma espécie de um para-além da devastação neurótica.  Ela desveste Nina, corta as suas unhas para não mais se arranhar, ensaia jogar  um bolo fora se Nina não quer comê-lo, dorme na poltrona do quarto de Nina  enquanto esta se masturba, gesto este que, por sua vez, segue a ordem do seu  diretor de ballet. Segue a ordem.  
                          Dentre outras cenas que marcam esse tipo de  relação mortífera, estão aquelas que exibem, por exemplo, a manutenção do mundo  infantil no quarto da adulta Nina, repleto de bichos de pelúcia, cuja cor rosa  aparenta fazer um contraste com o negro da sua solidão em meio ao edredom e às  almofadas em sua cama, e à parede cuja porta não deveria nunca ser  trancada.   
                          Há também os  diálogos travados entre Nina e sua mãe, quando esta tenta impedir a filha de  sair para se divertir, sufocando, desse modo, a incipiência de uma separação ou  distância mínima necessária entre as duas. Outro exemplo pode ser aquele em que  as cenas reforçam o capricho materno travestido, enfim, de incentivo  incessante, perseguidor e atormentador ao balé perfeito.  
                          Mas Nina, num ímpeto surpreendente, e quase  que respondendo à torcida dos espectadores do filme, vai à boate com uma  colega, envolve-se com um homem ainda que não tivesse estabelecido um laço  social com ele, volta para a casa e tranca a porta do seu quarto, mas na  companhia do seu duplo imaginário. Assim como o que não é simbolizado retorna  no real, para a psicose, todas as cenas que refletem a eminência da operação de  uma separação apresentam efeitos que sugerem o desencadeamento de fenômenos  elementares.   
                          Num deles, logo após uma discussão com a mãe ao chegar tarde  da noite em casa, eis que Nina leva Lilly, sua colega, para a cama (cena  antecedida por um jogo de espelho na sala com essa mesma personagem), alucinando uma relação sexual com ela. A  alucinação ocorre logo após o momento em que Nina ensaia uma tentativa de  separação em relação à mãe, mas acaba se desorganizando, perdendo-se num estado  confusional, a partir do qual a face de Lilly ora se mostra a face da amiga,  ora se mostra a parte gêmea do mal, que tenta asfixiá-la depois com o  travesseiro, e a qual, inicialmente, na figura de Lilly, ocuparia o seu lugar  na peça “O lago dos Cisnes”, no papel do Cisne Negro. Ela ou Lilly? Ela mesma.  Não, o Outro gozador. O Outro nela, que a invade.  
                          O DIRETOR ARTÍSTICO: OUTRA FONTE DE GOZO                          
                          Trata-se de um diretor cujo movimento de sedução parece  estar sob a vertente fantasmática de um uso “fetichista” em relação a Nina. O  traço de perversão ali existente, esboça a tentativa de se apoderar dela não  pela via amorosa, mas, pela via de um  gozo.   
                           Nina demonstra colocar uma barreira  a isso, mecanicamente, ao morder os lábios do diretor no momento em que ele a  beija. Podemos, aqui, esboçar uma diferença, inclusive, em relação ao modo como  suas colegas, histéricas, se submetem ao chamado para o gozo de cunho perverso  característico desse diretor, e, o modo pelo qual Nina responde a esse mesmo  chamado. Na perversão, o sujeito é instrumento de gozo do Outro, contudo, na  psicose, o sujeito está colocado na posição de objeto – o sujeito é o objeto  encarnado do gozo do Outro e não o seu instrumento; ele é um “cisne negro”, a  ponto de o sujeito até mesmo extrair uma pena  preta de suas costas...  
                          Nina, porém, se submete a um esforço enorme para fazer o  Cisne Negro, até que as luzes se apaguem, ou  também se tornem negras... Todo o esforço é pouco, pouquíssimo.  
                           No segundo beijo, quando o diretor lhe pede  para abrir a boca e continua acariciando seu corpo ― sugerindo, com isso, outra  espécie de separação que implica a dimensão do amor de dar o que não se tem ―,  Nina responde fazendo uma outra alucinação, desta vez na sua banheira,  escutando, debaixo d’água, as gotas de sangue pulando na superfície, o que a  faz se levantar, finalmente, para encontrar, junto ao horror, a presença,  novamente, do seu duplo. E se corta no dedo.                           
                          A MORTE COMO SOLUÇÃO        
                          Muito facilmente poderíamos pensar que o balé teria sido uma  via da arte que cumprisse a função de solução para a psicose, no nível do  corpo. Tratar-se-ia de uma salvação? Não. O balé não foi uma saída para Nina. O  aspecto da solução psicótica, nesse caso, não se deu pela via da arte, e sim  pela via da própria morte. Ainda que uma “obra” como solução pudesse se fazer no próprio corpo por meio da dança, essa  não foi a saída para Nina. Em tese, o ballet poderia ter sido uma saída, então, por que não o foi?  Podemos dizer que o balé não se constituiu  como um sinthoma. Ele foi um ideal da  mãe e não uma indexação com o real para Nina, que explicaria uma conexão com o  gozo. A dança não constituiu uma passagem capaz de lidar com o real, e sim um  meio de apaziguar a relação com o Outro; particularmente, com a mãe. Não teve  um efeito de nomeação, não adquiriu o efeito de nomeação do real do gozo. Nina  poderia ter feito do balé uma forma de se ligar ao corpo, mas, não foi isso o  que aconteceu... O ideal da mãe é que foi conectado, pela via da própria  psicose de Nina, ao ballet.   
                           Esse filme angustia principalmente as  mulheres, as histéricas. A essência da histeria é se colocar no papel de  procuradora do desejo do Outro. Tudo pelo Outro. O desejo do Outro, sua  interferência, é altamente mortífero nesse filme. Ou seja, há uma demonstração  de um nível mais extremado do desejo do Outro; toda nudez ali é colocada sem a  intermediação do simbólico, que produziria uma posição de “procuração” do  desejo do Outro.   
                          Se Nina estivesse em análise, uma das  primeiras etapas do tratamento seria uma certa separação dessa mãe, o que, por  sua vez, abriria a possibilidade de uma solução ou de que ela própria, a  separação, se daria por meio de uma solução.  Por outro lado, a morte como saída denota uma resposta trágica, na qual o  trágico seria o momento em que o sujeito inscreve o seu ser pela via da morte,  eternizando-o. O destino da sua própria morte foi inscrever seu ser de gozo  pela via da morte. A morte é, pois, um instrumento com o qual o sujeito obtém  uma certa eternidade com o seu ser de gozo, tal como Lacan o explicita na  tragédia de Antígona (LACAN, 1988, p. 342).  
                           Nina, de alguma maneira, realiza o desejo  mortífero da mãe. O suicídio parece ter sido uma resposta ao desejo de morte do  Outro, que, inclusive, quase conseguiu impedi-la de fazer a tão esperada  estreia de “O Lago dos Cisnes”. Nina foge para não dar lugar à colega (“a  reserva”, seu duplo) para realizar o papel do Cisne Negro. Ela foi o Cisne  Negro, e foi aí que ela se eternizou na perfeição. Na perfeição de realizar a  sua parte gêmea do mal, que bem pode ter sido o desejo da mãe.  
                                      Lacan nos convoca a uma reflexão,  trazendo a seguinte pergunta:   
                          “...o que é de seu desejo?  Não deve ser ele o desejo do Outro e ligar-se à sua mãe? O desejo da mãe, [...]  é a origem de tudo. O desejo da mãe é, ao mesmo tempo, o desejo fundador de  toda a estrutura, aquele que fez vir à luz seus rebentos únicos [...], mas, ao  mesmo tempo, é um desejo criminoso. Reencontramos aqui, na origem da tragédia e  do humanismo, um impasse semelhante ao de Hamlet, e, coisa singular, mais  radical” (LACAN, 1988. p. 342).  
                          Na psicose, a relação do sujeito com a castração é trágica,  sangrenta; o elemento trágico da castração é o que define a psicose, em que a  cadeia significante já está recusada, ou nem sequer está constituída. A  encenação foi da crueza da castração. Lacan (1988, p. 376) nos diz que “a  relação da ação com o desejo que habita a dimensão trágica se exerce no sentido  de um triunfo da morte, [...] uma negação idêntica à entrada do sujeito no  suporte significante”.   
                          E não é raro escutar de alguns que assistiram ao filme, que  Nina foi uma heroína. “Heronina”, se posso assim nomeá-la agora. Ela venceu o  impedimento que a mãe lhe infligira, mas obedeceu ao imperativo da morte,  sendo, ao mesmo tempo, assim, guardiã do desejo mortífero da mãe.  
                           O herói trágico oscila entre duas mortes:  perder o que ele é, do ponto de vista das identificações, e, ao mesmo tempo,  sofrer a morte biológica. Escolhendo a morte, ele eterniza seu ser de  gozo.   
                          A solução para Nina foi a morte, antecipada no camarim na  presença de um corpo ferido, antes do duplo, que começou a sangrar. Nina  realizou, finalmente, a peça do Cisne Negro, sendo que até o final,  ocultamente, sangrava. Ela dançou até o fim, até o seu fim... Encenou o retorno  às pedras, essa vontade escondida no ser de cada um, a seu modo, estrutura e  singularidade, para se tornar um signo eterno. Diz ela: “Eu me senti perfeita.  Fui perfeita”. E fecha os olhos para sempre.  
                          REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 
                          ASSAD, S. (1998) “Central  telefônica sem telefone”, in Formas do  desencontro: segregação, solidão, amor. Revista Curinga, n. 11, Belo  Horizonte: Escola Brasileira de Psicanálise – Seção Minas Gerais. pp. 102-107.  
                          ASSAD, S. (2000) “La logique  des coulisses”, in L’essai – Revue  Clinique Annuelle, n. 3. Paris:   Departamento de Psicanálise da Universidade de Paris VIII. pp. 53-57.  
                          FREUD, S. (1924) Perda da realidade na neurose e na psicose.  Rio de Janeiro: Imago Editora. Edição standard das obras brasileiras  completas  de Sigmund Freud, v. XIX.   
                          LACAN, J.  (1959-1960/1988)  O Seminário livro 7, A Ética da Psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge  Zahar Editor.  
                          MILLER, J.-A.  (1985/1993)  “Esquizofrenia e Paranoia”,  in Psicosis y Psicoanalisis. Buenos  Aires: Ed. Manantial. pp. 21-29  
                          MILLER, J-A. (1997) “Proposta  sobre a mutilação”, in Correio – Revista  da Escola Brasileira  Psicanálise, n.  25. São Paulo: Escola Brasileira de Psicanálise. pp. 21 e 26.  
                          MILLER, J.-A. (2003) “A Invenção Psicótica”. In Opção Lacaniana, n. 36. São Paulo: Escola Brasileira de  Psicanálise. pp. 6-16.   | 
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